Conto: Fique comigo essa noite

Olá, leitores de outra galáxia! Acredito que vocês já tenham me visto como colaboradora na tag "Na Cabeceira" aqui no blog. Bem, às vezes um café, uma madrugada e uma trilha sonora favorecem a chegada de pequenas inspirações de maneira que passarei a compartilhá-las um pouquinho com vocês por aqui também. Espero que vocês gostem! :)
- São tantos riscos...
-Eu não me importo, você sabe.
-Mas eu, sim, você também sabe.

Ela suspirou como se todos os argumentos não fossem o bastante, como se a tentativa fosse falhar miseravelmente. Ela agiu como se não valesse a pena o esforço embora sua garganta tivesse timbre e alcance suficientes para convencer três quarteirões. Mas como normalmente acontecia, ela manteve um suspiro como última palavra. Ele se aproximou e tomou sua nuca com certa pressão. O calor que emanava de suas mãos suavizou a tensão em seus ombros imediatamente. Ele abaixou de modo que suas testas se tocassem e em questão de segundos seus olhos estavam fechados.

- Você não entende... – seu hálito morno adormecendo seus cílios. O cheiro cítrico, agora mais intenso, preenchia o pequeno espaço de ar que os separava. Ela queria poder arrancar alguma voz, qualquer uma que pudesse dizer que ela compreendia. – Eu vou me apaixonar por você, Emmy.
Por um instante seus joelhos ameaçaram desabar e seus dedos escorregadios agarraram com mais força o tecido do casaco que o vestia. Será que ela aparentava estar tão desestabilizada como de fato sentia que estava?

- Então se apaixone. - Um sopro fraco foi emitido no lugar de sua voz. A pressão em sua nuca aumentou consideravelmente e ela percebeu que sim, ele escutara. Mas nada foi dito e Emmy pôde agradecer pelos segundos silenciosos que se seguiram. Se ela ao menos soubesse que a compra daquela passagem para outro estado a levaria àquele fim de tarde de novembro... 

O céu parecia que estava caindo. O rosado espalhado e fosco começava a dar a lugar a manchas alaranjadas e cinzentas anunciando que pouco faltava para a noite. Tornou a fechar seus olhos. Quanto tempo faltaria? Quantas horas ela teria antes que ele pudesse estar embarcando deixando para trás a cidade e os vestígios de que a conhecera? Emmy com esforço abriu seus relutantes olhos e cometeu o erro de olhá-lo diretamente. E ali estavam. Inquietos. Olhos que a buscavam, que a segurariam todo o tempo que lhes fosse possível se pudessem. E então ela lembrou.  Avelãs. Assemelhavam-se àquele tom achocolatado, forte e adocicado. Longos cílios que ora ou outra faziam sombra conforme o restante de luz ensolarada os tocava. Como se recebesse uma pancada, seu peito se contraiu. Sentiu que estava sendo retorcida por dentro e um gosto levemente salgado inesperadamente invadiu seu paladar. A visão embaçada foi cedendo lugar a um quadro mais nítido a medida que piscava incessantemente.  Seus olhos, seu peito, tudo queimava.

Ela percebeu que ele abrira a boca e antes que ele pudesse falar, antes que ela pudesse escutar, as palavras saltaram de seus lábios.
- Fique comigo essa noite.
- Eu...
- Não ! – seus dedos seguravam a gola de seu colarinho – Ess..só essa noite! Entende? Só pre.. – Antes que ela conseguisse terminar de organizar aquelas palavras tolas e nervosas que jorraram descontroladamente, as mãos de Caleb centralizaram seus olhos nos dele. As palmas de suas mãos agarravam seu rosto com pressão capaz de esmagá-lo. E ainda assim, como ela conseguia sentir delicadeza de como quem segurava cristal?

As curvas dos seus lábios pareciam querer sorrir. Enquanto ele tentava de maneira falha buscar o que seriam as palavras certas, com lábios entreabertos e respiração irregular, ele sorria. Emmy permaneceu imersa em seu infiel controle e real desespero. Naquele dia, ela descobriu o quão infeliz e doloroso um sorriso pode ser.  Por fim, ela escutou as palavras que ecoaram e a aqueceram por dentro como água quente desmorona sobre uma pele gelada:
- Eu passaria todas as minhas últimas noites com você. 

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